segunda-feira, 2 de novembro de 2020

Espelhos

Teu medo é teu guia, o cheio putrefato que te invade, 
que anuncia o amargor metálico do sangue que está por jorrar
tu caminhas cego em meio à imensidão do umbral
com olhos arregalados que nada conseguem ver, seria isto uma maldição?
Tateando pedras pontiagudas que te ferem os dedos e o ego já deixado para trás 
foi privado até mesmo do som dos seus próprios gritos. Afinal isso é a morte?
Tropeça no teu prêmio, duro, retangular. A própria caixa de Pandora 
Mas a surpresa que nesta habita é o seu maior medo, talvez o único.
espelhos incapazes de esconder todas as mentiras que ele acreditou ser verdade 
o espelho incapaz de ocultar a podridão de sua alma.


domingo, 18 de outubro de 2020

Sem Perdão

Você vem e se apropria de tudo. 

Das músicas que sequer são tuas, dos pensamentos qu
e sequer são meus, 

me sufoca sem as mãos. 

E ainda assim espera que eu ande sozinha.

Me despe das minhas muletas,

diz que me quer forte quando não tenho isso a oferecer. 

Você é doente, e me faz doente também. 

Já não vejo beleza na língua viperina que me suga o ar, 

as correntes que me prendem ao chão nunca me pareceram tão pesadas.

A carne viva da tortura frequente reclama 
ao mínimo esforço em busca da liberdade. 

Estou esquecida num poço onde somente você,
meu próprio algoz, ousa me visitar.

Me mantém viva porque a dádiva da sua vaidade sou eu 

que não canto, não voo, só sirvo de enfeite em uma gaiola dourada, 

o tipo de servo que melhor te apetece, não é assim? 

Lembro-me de quando dizia que todos eles eram gado.

Eu, ao seu lado, jamais teria como descobrir que era integrante

do rebanho enlouquecido que lhe consome e se permite consumir.

 


domingo, 21 de junho de 2020

Fernando


Sorrisos largos em meio às tardes manauaras, sempre quentes (tão quentes), que se seguiam regadas a cerveja ou a sorvete, a companhia era o mais importante para esses corpos suados.
Sempre parecia que o mundo não era grande suficiente para ele, como se a matéria do seu corpo físico fosse explodir a qualquer momento e libertar sua alma, para que ele voasse enquanto nos arrastamos na realidade.
Era esse o seu pecado e sua dádiva, não adaptar-se destacar-se em meio a todos. Mudava todos os dias, cabelo, barba, pensamentos e atitudes.
Consumiu a vida em sua plenitude e foi tragado por ela ainda jovem, mas deixando a certeza que muitos podem viver para sempre e mesmo assim jamais saberão o que de fato é viver, arriscar-se, pular para o nada sem saber se vai voar ou cair.

domingo, 19 de abril de 2020

Cronos



Corre sem dó a olhos vistos,
Na infância das crianças que nos circundam.

Impiedoso.
Fazendo sempre feridas abertas, 
Mesmo quando as julgamos cicatrizadas.
Impiedoso.
Perpetuando histórias que não perdem o brilho,
Mesmo diante de olhos vermelhos e cansados.
Impiedoso.
A saúde deixando o corpo,
Pouco a pouco. 
Impiedoso.
Depois que se finda a vida ele segue a correr,
Levando todos para o mesmo fim.
Impiedoso.


domingo, 29 de março de 2020

Wonderwall


As lembranças me socam a cara de formas diversas,
h
oje ela veio como uma música.
A nossa música, que celebrava o que éramos um pro outro, o amor em sua forma mais pura.
o amor da amizade que me acalentava o peito até descobrir que o único amor verdadeiro que pulsava era o meu.
Te deixei ir e tua ausência me corrói o peito até hoje e nos anos vindouros.
Como posso te esquecer se vivi a vida toda ao teu lado, até nos apartarmos de vez?
 Sigo firme na minha decisão, afinal a pessoa que eu amava já não existe mais, apenas essa sombra com seus resquícios.
Mal agorenta e mofada.
Uma caricatura do que um dia foi o meu amor.

quinta-feira, 5 de março de 2020

Doença


Ninguém se cura de ninguém. 
Eu não posso me curar de ti, 
nem você de mim. 
Eu só posso te querer até que o dia amanheça 
e me contentar com a tua ausência quebrada com algum ‘hey’ ou ‘bom dia’
Assim. 
Casual, frio, como dois colegas de trabalho. Impessoal. 
Como ser impessoal se ao fechar os as portas nos tornamos um?
Mãos grossas descendo por costas nuas 
me desenhando, me refazendo.